domingo, 2 de agosto de 2015

AS VÁRIAS PERSONAS QUE A MINHA FILHA PODE SER - EPISÓDIO 4 "MILENA"

Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. Quarto episódio: "Milena".

"Doçura, singeleza, mas, ao mesmo tempo, força, independência, capacidade... Isso que eu penso de todas as Milenas."



Bento

Não conseguia precisar isso em tempo humano. Talvez fossem uns sete, oito meses mais ou menos. A muito tempo que percebia que mamãe estava diferente. Gemia para levantar, fazia careta quando tinha que andar, estava maior...

Tentava velá-la, mas ela sempre dizia estar bem, o que me deixava confusa. Aquele inchaço em sua barriga era minha maior preocupação.

Papai tinha seu carinho e sua fala amorosa habitual comigo, contudo, com o tempo, passou-a a dividir com alguém que, por mais que tentasse achar, eu nunca via.

Me lembro daquele, como vocês chamam, mês. Chovia. Mamãe já havia ficado fora de casa por tanto tempo assim, mas dessa vez sabia que seria diferente. Papai estava com ela. Ainda bem que tinha a Anna. Ela conversava muito comigo, quase como se estivesse me confortando de algo. Eu não entendia. Eu só queria ver a mamãe. Estaria tudo bem com ela?

Quando chegaram havia algo de diferente nos dois. Papai parecia emocionado. Estava com um embrulho nas mãos. Segurava-o com intenso cuidado. Mal falou comigo. Mamãe parecia cansada, mas estava com um sorriso largo que eu nunca tinha visto em seu rosto. Ela também mal falou comigo. Fiquei magoada, sabe. Tanto tempo de preocupação e nem um carinho em retribuição...

Aqueles tempos foram esquisitos. Papai e mamãe estavam distraídos. Viviam dentro dos quartos. Quase não os conseguia ver. Havia algo que latia fininho e que os fazia correr sempre para ampará-lo. Tentava me comunicar. Gritava também. Mas mamãe pedia que eu ficasse quieta.

A bem da verdade papai sempre tentava interagir comigo. Fazia juras de amor e carinho eterno, mas eu sentia um quê de mentira naquilo tudo. Mas era o que eu tinha. Me enrolava em suas pernas. Me achegava em seu corpo e me deixava acariciar, fechando meus olhos.  

Até que um dia mamãe e papai voltaram ao sofá. Posicionados em frente a TV. Tudo estava igual, à exceção de um novo ser que os acompanhava. Pequeno. Bem pequeno. Menor do que eu, isso era certo. Me espichava para vê-lo. Mamãe meio que nos apresentava. Logo a sonoridade dessa nova pessoa me veio a memória: Milena.

Era isso. Essa Milena que estava tomando meus pais de mim. Com o tempo, papai tentava nos aproximar. Trouxe a Milena próxima a mim. Tá, ok, ela era realmente bem bonitinha. Pele morena clara, bochechas rosadas, lábios grandes, cabelo preto levemente cacheado... Parecia muito sorridente e feliz. Seu lábio estava sempre entreaberto e seus olhos grandes e negros sempre reluziam. Ela brilhava. Fiquei meio assim, sabe. Com ciúmes mesmo.

Papai a levantava botando seus pés à minha disposição. Eu via sua vontade de nos juntar de forma comovente, então meio que colaborava. Logo lambia os pés da tal Milena que gargalhava intensamente, alto. Com o passar do tempo, admito, aquilo havia ficado bem divertido.

Milena crescia. Ficava ainda mais bonita. Levemente gordinha. Vira e mexe eu me pegava com vontade de morder aquelas gordurinhas entre a coxa e o joelho. Um dia papai a levantou e a pôs no chão ao meu lado. Ele a segurou então me senti confortável em subir nela e tentar lhe dar um beijo em seu rosto. Ela gargalhava e tentava pegar em meu bumbum. Eu deixava. Ela me pegava, me beliscava e eu, em troco, a cobria de beijos. Ela, só para variar, gargalhava. Foi uma brincadeira especialmente legal. Eu, papai, mamãe e Milena.

Teve um tempo em que a Milena sumiu. Foram, sei lá, uns dois ou três dias. Achei que morreria de saudade. Não comi. Não falei. Não brinquei. Fiquei a sua espera, angustiada.

Me surpreendi quando mamãe veio com ela. Essa interação normalmente era feita por papai. Mamãe ficava ao longe. Sorria com os olhos. Ela ficava ainda mais linda nos vendo. Mamãe estava especialmente radiante naquele momento. Ela me viu, ansiosa, esbaforida, realmente morta de saudade. Olhou pra mim e eu soube o que ela pensava. Sim, os tempos de ciúme haviam acabado. Eu amava Milena. Acho que foi isso que ela disse a papai, que chegava depois carregando em sua mão um palitinho com duas listrinhas na ponta.

Lembro o que ele respondeu: Tomara que ela também ame o Bento igual ama a Milena.

Não entendi quem era esse Bento, mas já não me importava, meu mundo estava ali ao lado dos meus. E eu não quero soltá-los nunca mais! 

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