domingo, 9 de agosto de 2015

CHEGOU A HORA! ELA SE CHAMA...

Liz, Ana Laura, Milena, Claire e Helena. Muitas foram as possibilidades e tamanha foram as dúvidas. Como se chamaria a futura herdeira da família Góes Bahiense? Enfim a espera acabou. Ela se chamará...


A alegria que um dia hei de chegar

Acordaram de um sono confuso, de uma noite mal dormida. Ambos moídos, como se tivessem tomado pancadas em todo o corpo. O gosto, na boca, lembrava de grandes ressacas. A cabeça latejava. Os olhos, inchados, pareciam querer pular pra fora.

Pouco se falou entre eles naquele dia. O silêncio era perturbador e a então certeza de que o mal venceria o sonho era realmente frustante. Uma nuvem pairava sobre aquela casa. O munho havia acabado antes mesmo de começar.

Muitos dizem que o tempo cura tudo. O tempo não cura tudo! Há uma adaptação, talvez um acomodamento. Pessoas se acostumam a sofrer. Acostumam em guardar suas tristezas só consigo, bem escondido, às vezes escondido da gente mesmo.

Tentou-se de novo. Sofreu-se de novo. Desistiu-se. 

Sacudiu-se a poeira, mas a volta por cima foi só dita e não concretizada. Buscou-se paliativos que depois viraram realidade. Reestruturaram-se. A partir de então pairava a dúvida: Tentar de novo? Não, era a resposta que vencia. O medo vencia. E esperança, naquele momento, era só uma utopia, ou talvez um nome próprio somente. Como ela seria a última a morrer se sequer havia nascido?

Não buscamos a aventura. A aventura nos buscou. O ceticismo de um foi derrotado pela positividade da outra. Agora daria certo. Deu certo!

Não à toa que os corações são símbolos do amor. Ao ouvi-lo pela primeira vez um mundo novo foi criado. Sonhos nasceram. Vidas modificadas e um futuro se abriu em meio a nuvens carregadas de incerteza.


À medida que o tempo passou descobrimos um amor que não tínhamos até então. Ganhamos presentes e um presente. E um gênero: Papais ela é uma menina!

Vários nomes foram especulados. Muitos sugeridos. Papai e mamãe não chegavam a uma conclusão. Estórias foram criadas. Vidas imaginadas. Semanas se passaram. Chegou a véspera do dia dos pais.

Ela o chamou no quarto. Ele foi correndo. Preocupou-se com a saúde dela. Nada disso. Um pacote estava em suas mãos. Azul. Dois corações em sua frente. E um rosto sapeca presumia uma traquinagem. O futuro papai havia sido enganado. 

Abriu o pacote. Emocionou-se com a roupinha que retransmitia seu desejo: "eu amo o papai". No fundo um livro do qual o pai falara durante semanas. Dentro uma dedicatória, escrita pela mãe, mas incentivada pela filha.


Nela, belas palavras. Algumas encorajadoras, outras incentivatórias. A certeza da constituição de uma família, de um sonho realizado e de que, por mais tardia que seja, as alegrias haverão de chegar. No fim a assinatura da mamãe, do bichinho e dela:

Laura Góes Bahiense. 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

AS VÁRIAS PERSONAS QUE A MINHA FILHA PODE SER - ÚLTIMO EPISÓDIO "HELENA"

Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. Último episódio: "Helena".

"Sempre vi as Helenas como mulheres fortes, marcantes, especiais, singulares..."


Uma odisseia Helênica

Andava de um lado para o outro. A meia calça incomodava e, parecia, lhe dava uma alergia danada. Começou a coçar as pernas e logo foi repreendida pela mãe que, por sua vez, desconjurava Sandro por ter lhe passado "essas alergias a tudo".

É claro que o nervosismo também colaborava. Era a primeira vez que seria dama de honra. Além da pompa da cerimônia, era do casamento da prima querida a qual estava participando tão decisivamente. Não podia estragar o casamento da Isa, pensava Helena, exagerada e megalomaníaca que só.

O vestido, cor de pérola, fora feito sob medida e, por capricho do pai, fora comprado para ficar eternamente como lembrança. Em seu detalhe, pedras brilhosas que se espalhavam do pescoço até a borda. Listras em semi tom dividiam a parte da frente. Atrás, um conjunto de doze botões e um singelo laço cor de rosa faziam o modelo.

Toda vestimenta casava belamente com sua modelo. Helena era morena, quase mulata. Corpo esguio que sempre salientava a cabeça em pé. Rosto redondo, olhos grandes, negros. Boca carnuda que se abria toda quando sorria. Uma pequena falha nos dentes inferiores da frente, mas que, diziam, lhe dava um charme. Personalidade dócil, obediente e tranquila. Tinha facilidade ímpar em fazer amigos. Amava e era amada intensamente e, naquele verão de 2022, teria seu evento social mais importante: O casamento da prima Isabella.

Ela não compreendia a desigualdade de temperamentos. Enquanto ela estava quase paralisada, pelo nervoso e para não suar, seu partner, César, corria de um lado para o outro, dando verdadeira canseira na mamãe Roberta. 

A rigor, ela estava era com uma pequena inveja. Enquanto César estava à vontade, ela era cutucada a cada 5 minutos. Primeiro vó Nena veio e ajeitou seu cabelo. Depois vó Inácia veio e ajeitou seu vestido. Tia Tânia veio e ajeitou cabelo e vestido de uma vez. Carol, prima que ela insistia em chamar de tia, veio e tirou quinhentas fotos. Depois veio a mamãe e a ajeitou por completo. O papai... Bem o papai só olhava, de longe, com uma cara de bobo choroso.

Quando a música da cerimônia tocou seu coração acelerou. Vendo seu nervoso a amiga Natália a amparou e sussurrou em seu ouvido que daria tudo certo, pois ela, Nat, já havia feito aquilo "um milhão de vezes e sempre dava certo". 

Natália estava correta. Tudo deu certo mesmo.

Em outra ocasião, todos se espantaram quando ela foi a primeira a saber que Tia Tânia se casaria. Isso se deu, pois a tia afirmava ter uma ligação que "só as duas podiam explicar" e, por isso, nada mais justo do que a pequena fosse a primeira a receber as boas notícias.

Isso se dava porque, desde sempre, Helena se apaixonou pela tia e vice versa. Fosse pela vontade da pequena, elas se veriam todos os dias e, quando aprendeu a andar, o caminho até a janela da tia era obrigatório. Não por coincidência a primeira palavra da menina foi "ãtã", abreviação mais que óbvia de Tia Tânia. Desde então as duas faziam tudo juntas. Iam ao parque, praia, shopping... A tia fazia maquiagem escondida nela e as duas brincavam de desfile de moda na sala para alegria da vovó.

Após a notícia, a preocupação de Helena era de ter de passar por todo o processo de dama de honra de novo. A tia a acalmou. As festanças seriam menos elaboradas. 

Quando descobriu que a primeira filha de Caio seria menina, Helena fez uma grande festa, afinal tinha dois irmãos e não podia passar seus "conhecimentos de menina" para ninguém. Helena ficou dividida, pois no dia da festa de casamento da tia, a esposa de Caio entrou em trabalho de parto. Sabia que a maternidade não era "lugar para criança" então teve de se conformar em ficar em casa. Dias depois, mesmo sob grandes protestos da Vó Inácia, ultra zelosa, segurou a pequena Amandinha no colo, prometendo, baixinho, lhe dar todas as dicas para ser a nova queridinha da família Góes. 

Dois anos depois preocupou-se com a notícia de que a prima Anna também iria se casar. Anna e Helena eram mais que primas, eram irmãs. Desde pequena a prima a acompanhava, ajudando sua mãe em sua criação. Anna levava Helena para passear, lhe ensinava a ler, a desenhar e a jogar futebol. A prima foi presença vip imposta por ela em seu primeiro dia no ballet. Contudo agora, tempos depois, Helena estava com 11 anos. Velha demais para ser dama de honra, mas nova demais para ser madrinha.

Trancou-se no quarto e chorou por horas. Não abriu a porta nem para a mãe, nem para o pai. A exceção foi dada à Maggie, sua companhia de longa data. Maggie mordia de leve seus dedinhos, único jeito carinhoso que conhecia para acalentar seus donos. 

A solução foi dada dias depois. Helena entregaria as alianças, dançando. Pedido da prima, logo ela não podia negar. Todos ficaram em polvorosa na casa dos Góes Bahiense. Mamãe Elaine teve a ideia. A amiga Amanda daria aulas particulares para a pequena. Nos dias dos ensaios era uma festa só. Não só Amanda vinha, mas Roberta (e os filhotes), Meiri (e os filhotes), Cintia e Marcela vinham.

Era um fuzuê. César, Benício, Júnior, João (filhos da Meiri) e Bento corriam pra lá e pra cá, aos gritos, com Maggie. O pequeno Artur, por sua vez, chorava por não poder participar da farra e Sandro, que ficava a cabo de controlar a molecada, mais participava das brincadeiras do que impunha limites. Mesmo nesse cenário maluco a pré adolescente Helena se mostrava pronta para o grande dia. Seus pais se emocionaram ao vê-la dançando ao lembrarem de Isabella fazendo o mesmo em seu casamento. A menina, por sua vez, satisfez-se com seu desempenho. 

Aquele foi start para Helena decidir ingressar na igreja da avó. Começou a dançar no grupo coreógrafo e convertera-se evangélica em 2031 sendo a última batiza pelo Pastor Renato. Na igreja estreitou a amizade com César e Heitor. César era tranquilão, desencanado e muito engraçado. Heitor, por sua vez, era sério, disciplinado e seguro. Suas personalidade se contrastavam e, ao mesmo tempo, se completavam. Laís, filha mais velha de Rair e Carolinne, e dois anos mais nova que Helena, completava o quarteto inseparável. 

Num aniversário de Vó Inácia, Tia Vivi decide fazer uma grande comemoração, com direito a alugar um cerimonial e tudo. Toda família e amigos são chamados. César e Heitor, claro, estarão presentes. Benício também vem. Com jeito falante e extrovertido ele logo compensa os anos de separação achegando-se aos outros. Cria-se um clima de paquera no ar. Laís provoca Helena, agora uma bela adolescente, dizendo que a prima é o centro das atenções. A menina a retruca sem muita convicção. 

O primo Estevão é o DJ da festa e surpreende ao colocar a música 'Pétala' de Djavan, favorita de Helena, para tocar, dizendo que havia sido dedicada por um admirador secreto. Mesmo envergonhada ela gosta da surpresa. Depois foge do pai, imaginando o esporro que o velho lhe daria. 

O pai a encontra, mas ela é salva pelo gongo, pois era a hora da cerimônia da família Góes. 

Todos entram no salão:

Primeiro entra Vó Inácia

Depois Luiz Henrique, Suzelma, Carol, Rair, e seus filhos, Laís, Júnior e Luiz Henrique Neto.

Depois entra Tico, Janete, Vinícius, Alexandra e seus filhos, Estevão, Eduardo, Enrico e Emilly.

Depois entra Tânia, João Paulo e a filha de João Paulo, Camilla.

Depois entra Vivi, Júnior, Nathan e a namorada de Nathan, Elisa.

Depois entra Émerson, Laudi, Caio, sua esposa, e seus três filhos, Amanda, André e Josué. Depois Isabella (grávida na ocasião) e seu marido. Depois Anna e seu marido.

E por último Elaine, Sandro, e seus filhos, Helena, Bento e Artur.

Todos ficam ao redor da matriarca da família numa cena linda, guardada pra sempre na memória de Helena.

Ao término da cerimônia começou a festa. Laís traz consigo um bilhete do tal admirador secreto para Helena. Ela o abre. Lá está escrito que o admirador a esperará atrás do bebedouro do cerimonial em cinco minutos. Ela passa o olho nos possíveis suspeitos. Nem César, nem Heitor e nem Benício parecem levantar suspeitas. Os cinco minutos se vão. Depois mais cinco. E depois mais cinco. Helena, covarde, não vai.

Anos se passam. Outros chegam. Alguns se vão. Helena se forma na universidade. Dá aulas de Filosofia em escolas públicas. Se casa. Tem filhos...

Num dia arrumando a bagunça vê os álbuns de foto. Lá estão grandes partes de suas lembranças: Os pais jovens se beijando na escadaria do shopping. Ela saindo da maternidade. Tia Tânia antes e depois da bariátrica. O Nathan, pequeno, ao lado da Frida. Vó Nena com a bisa. Vó Inácia com o buá dos desfiles de moda com Tia Tânia. Bento. Depois Artur. Maggie puxando a fralda do Bento e depois puxando a fralda do Artur. Seu primeiro dia no ballet. O casamento da Isa. O casamento da Ana. A primeira prima. O dia do título no time de futsal.  A viagem ao Maracanã com o pai. O encontro da igreja com César, Heitor e Laís. O primeiro beijo em seu então namorado. Seu casamento. Seus filhos...

Quanta coisa, ela pensou. E imaginar que até então eu era só um desejo, bem pequeninho, no coração dos meus pais.

Agora eu estou aqui. Até onde eu vou?

domingo, 2 de agosto de 2015

AS VÁRIAS PERSONAS QUE A MINHA FILHA PODE SER - EPISÓDIO 4 "MILENA"

Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. Quarto episódio: "Milena".

"Doçura, singeleza, mas, ao mesmo tempo, força, independência, capacidade... Isso que eu penso de todas as Milenas."



Bento

Não conseguia precisar isso em tempo humano. Talvez fossem uns sete, oito meses mais ou menos. A muito tempo que percebia que mamãe estava diferente. Gemia para levantar, fazia careta quando tinha que andar, estava maior...

Tentava velá-la, mas ela sempre dizia estar bem, o que me deixava confusa. Aquele inchaço em sua barriga era minha maior preocupação.

Papai tinha seu carinho e sua fala amorosa habitual comigo, contudo, com o tempo, passou-a a dividir com alguém que, por mais que tentasse achar, eu nunca via.

Me lembro daquele, como vocês chamam, mês. Chovia. Mamãe já havia ficado fora de casa por tanto tempo assim, mas dessa vez sabia que seria diferente. Papai estava com ela. Ainda bem que tinha a Anna. Ela conversava muito comigo, quase como se estivesse me confortando de algo. Eu não entendia. Eu só queria ver a mamãe. Estaria tudo bem com ela?

Quando chegaram havia algo de diferente nos dois. Papai parecia emocionado. Estava com um embrulho nas mãos. Segurava-o com intenso cuidado. Mal falou comigo. Mamãe parecia cansada, mas estava com um sorriso largo que eu nunca tinha visto em seu rosto. Ela também mal falou comigo. Fiquei magoada, sabe. Tanto tempo de preocupação e nem um carinho em retribuição...

Aqueles tempos foram esquisitos. Papai e mamãe estavam distraídos. Viviam dentro dos quartos. Quase não os conseguia ver. Havia algo que latia fininho e que os fazia correr sempre para ampará-lo. Tentava me comunicar. Gritava também. Mas mamãe pedia que eu ficasse quieta.

A bem da verdade papai sempre tentava interagir comigo. Fazia juras de amor e carinho eterno, mas eu sentia um quê de mentira naquilo tudo. Mas era o que eu tinha. Me enrolava em suas pernas. Me achegava em seu corpo e me deixava acariciar, fechando meus olhos.  

Até que um dia mamãe e papai voltaram ao sofá. Posicionados em frente a TV. Tudo estava igual, à exceção de um novo ser que os acompanhava. Pequeno. Bem pequeno. Menor do que eu, isso era certo. Me espichava para vê-lo. Mamãe meio que nos apresentava. Logo a sonoridade dessa nova pessoa me veio a memória: Milena.

Era isso. Essa Milena que estava tomando meus pais de mim. Com o tempo, papai tentava nos aproximar. Trouxe a Milena próxima a mim. Tá, ok, ela era realmente bem bonitinha. Pele morena clara, bochechas rosadas, lábios grandes, cabelo preto levemente cacheado... Parecia muito sorridente e feliz. Seu lábio estava sempre entreaberto e seus olhos grandes e negros sempre reluziam. Ela brilhava. Fiquei meio assim, sabe. Com ciúmes mesmo.

Papai a levantava botando seus pés à minha disposição. Eu via sua vontade de nos juntar de forma comovente, então meio que colaborava. Logo lambia os pés da tal Milena que gargalhava intensamente, alto. Com o passar do tempo, admito, aquilo havia ficado bem divertido.

Milena crescia. Ficava ainda mais bonita. Levemente gordinha. Vira e mexe eu me pegava com vontade de morder aquelas gordurinhas entre a coxa e o joelho. Um dia papai a levantou e a pôs no chão ao meu lado. Ele a segurou então me senti confortável em subir nela e tentar lhe dar um beijo em seu rosto. Ela gargalhava e tentava pegar em meu bumbum. Eu deixava. Ela me pegava, me beliscava e eu, em troco, a cobria de beijos. Ela, só para variar, gargalhava. Foi uma brincadeira especialmente legal. Eu, papai, mamãe e Milena.

Teve um tempo em que a Milena sumiu. Foram, sei lá, uns dois ou três dias. Achei que morreria de saudade. Não comi. Não falei. Não brinquei. Fiquei a sua espera, angustiada.

Me surpreendi quando mamãe veio com ela. Essa interação normalmente era feita por papai. Mamãe ficava ao longe. Sorria com os olhos. Ela ficava ainda mais linda nos vendo. Mamãe estava especialmente radiante naquele momento. Ela me viu, ansiosa, esbaforida, realmente morta de saudade. Olhou pra mim e eu soube o que ela pensava. Sim, os tempos de ciúme haviam acabado. Eu amava Milena. Acho que foi isso que ela disse a papai, que chegava depois carregando em sua mão um palitinho com duas listrinhas na ponta.

Lembro o que ele respondeu: Tomara que ela também ame o Bento igual ama a Milena.

Não entendi quem era esse Bento, mas já não me importava, meu mundo estava ali ao lado dos meus. E eu não quero soltá-los nunca mais! 

sábado, 1 de agosto de 2015

AS VÁRIAS PERSONAS QUE A MINHA FILHA PODE SER - EPISÓDIO 3 "ANA LAURA"

Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. Terceiro episódio: "Ana Laura".

"Ana e Laura não se fundem, é como se fossem duas pessoas em uma. Que legal!"


Porta-retrato

Praticidade, esse era o mantra de Ana Laura. Fazia questão de dizê-lo sempre que necessário. Durante toda a vida a jovem de 17 anos sempre buscou o lado mais prático da coisa. Seus cabelos, cheios e belamente cacheados, tinham um corte que privilegiava a velocidade. Algo como "acorda, molha e vai". A pele morena não pedia a maquiagem que ela raramente usava, mesmo que algumas irritantes espinhas a incomodassem. As roupas eram largas e confortáveis. Os óculos de grau mais pareciam uma composição de um figurino do que propriamente uma necessidade.

Seu estilo despojado lhe dava um charme único. Sua fluidez na conversa ajudava muito e sua inquestionável beleza era fator decisivo. Seu pai dizia que ela era a cara da mãe e ela, só para irritar os velhos e a prima Anna, por galhofa, se dizia mais parecida com a outra prima, Isabella, "a mais bonita da família" completando com uma exagerada ênfase a sua fala.

Seu território vivia ocupado pelos mais variados pretendentes, mas Laura, contudo, só dava espaço aos relacionamentos curtos, de um dia apenas, às vezes. Namoros a tirariam de seu foco que, a bem da verdade, ninguém (e nem ela mesma), sabiam muito qual era.

O fato de seu pai e do tio Luiz Henrique terem aberto uma escola particular de ensino médio em 2024 e de que em tão pouco tempo conseguirem bons resultados, ajudou Ana Laura nos estudos. A menina era considerada a primeira da classe, fera na Geografia e na História e um gênio no Português.

À boca miúda, estipulava-se que a garota estava pronta para passar em qualquer curso no vestibular e a pressão, mesmo velada, pendia para Direito ou, claro, Letras. 

Pela praticidade de Ana Laura sugeriria-se que a garota escolheria algum desses cursos, ou outro em que a segurança do exercício da profissão no futuro a amparasse.

Daí toda a surpresa quando ela disse na manhã posterior às datas de inscrições on line para o vestibular que a sua opção havia sido o curso de Fotografia (entraria para a grade de opções da UFES em 2030).  

Seu pai, fã confesso da maturidade da filha, quase infartou. A mãe preparou o mais pesado sermão e a família já confabulava os conselhos.

Ana Laura sabia o que a esperava. Chamou o pai primeiro, para uma conversa a sós. Aquela seria, simbolicamente, uma conversa com toda a família.

_ Pai você sempre brincou que eu sou duas em uma.
_ Hã... Sim... Sei... Disse Sandro, monossilábico quando irritado.
_ Decidi dar espaço a minha "segunda parte". Sempre fui prudente. Prática. Talvez esteja na hora de arriscar um pouco.
_ Agora? Mas agora? Nas bocas do vestibular? - Mais lamentava do que perguntava seu pai, pressentindo o pior.
_ Sei que quer o melhor pra mim pai. E o melhor pra mim neste momento é a fotografia. O melhor pra mim neste momento é buscar a felicidade. Gosto de casamentos, festas, pessoas... Gosto de registrá-las. De saber que estarei guardando parte delas para a posteridade.
_ Ok (Sandro monossilábico-irritado), mas que isso seja um hobby, um plano B, sei lá. Você vai ganhar a vida com isso?
_ Tentarei.

Conhecendo a filha como só, Sandro, muito decepcionado, deixou-a seguir com suas ideias. O pai acabou por convencer a família a apoiá-la. Ana Laura batalhou como nunca. Passou em primeiro no curso de fotografia. Retirou parte do dinheiro investido para a sua faculdade. Montou um estúdio, comprou equipamentos...

O começo foi relativamente difícil, mas em alguns anos o estúdio de Ana Laura rendia consideravelmente. Ela estava feliz. Planejava mais. Foi convidada a tirar as fotos da festa de formandos da escola do pai.

_ Festão hein pai. Esse negócio de escola deu certo mesmo!?!
_ Negócio? É assim que você chama a instituição que em três anos te transformou na aluna número um do vestibular de 2033?
_ Tá bom, tá bom, Instituto de Ensino Góes-Bahiense. Mas precisava ter como as cores da escola esse vermelho e verde? Coisa cafona.
_ O que? Um negócio elaborado por dois tricolores não poderia ter outras cores, não é?
_ Opa. Opa. Olha quem disse negócio agora?!?

Os dois riram.

_ Pai, tô pensando em chamar a Laís (Laís era a filha mais velha de Carol e Rair) pra estagiar comigo.
_ Chama. Pelo menos Rair vai sofrer um pouco do que eu sofri com você.
_ Olha...

Ana Laura é chamada para tirar uma última foto. Elaine se aproxima de Sandro. Pergunta o teor da conversa. Sandro tira por menos, dizendo ser amenidades. Os dois a vêem de longe, feliz, sorridente, realizada.

_ Deu certo né amor? - Pergunta Elaine, chorosa.
_ Não. Ela deu mais do que certo. - Responde igualmente choroso Sandro.

Ana Laura os vê. Ri do choro dos pais e tira uma foto de surpresa.

_ Essa vai para o meu porta retrato de cabeceira. Para ver como meus pais são babões e chorões - brinca a garota.

E toda a noite antes de dormir Ana Laura pega um copo de leite, liga a TV, assiste um antigo seriado chamado Dr. House, reza, vê a foto dos pais e vai dormir.

_ Amanhã é outro dia...

AS VÁRIAS PERSONAS QUE A MINHA FILHA PODE SER - EPISÓDIO 2 "CLAIRE"

Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. Segundo episódio: "Claire".

"Só uma história de amor tão inventiva e bonita para me convencer a pôr um nome internacional em uma filha"


A dedicatória


Era três da tarde quando Claire recebeu a ligação da Escola de Ballet Arte e Corpo. Pela quarta vez no mês, Ana, sua filha de 5 anos, brigava no local.

Dessa vez Claire se mostrava especialmente irritada. A motivação da briga de Ana foi que uma amiguinha disse que "o Fluminense fedia". Essa maldita obsessão por esse time é coisa de papai, praguejava Claire, enquanto se dirigia ao local.

Presumindo o esporro que tomaria, Ana começou a se defender, eloquentemente para uma criança tão pequena. Aquela fluidez com as palavras amenizou a raiva de Claire e enquanto a menina fazia sua defesa um filme passou por sua cabeça no trajeto que fazia de volta pra casa.

Lembrou-se da gravidez, da cara de bobos dos avós, da barriga crescendo... Lembrou-se da roupinha especialmente escolhida para a saída da maternidade: Um bodyzinho rosa, com um babado em roxo à frente, semelhante a uma sainha de ballet, grande paixão de Claire.

Lembrou-se do parto difícil, da cesariana, e do bodyzinho do Fluminense em que ela saiu do hospital (o único que o avô lembrou de trazer). Aquele body, segundo Claire, trazia a "maldição futebolística" para a vida de Ana. Desde então a pequena é muito mais dada ao esporte bretão do que a arte advinda da Renascença.

Aninha, nome dado em homenagem a Anna Beatriz, prima e "mãe adolescente" de Claire, estava no banho, sozinha, gozando de uma quase independência. Ao longe sua mãe ouviu um barulho, semelhante a um cântico futebolístico qualquer. Bufou, mas decidiu não interferir.

Ao fim do noite, após a última refeição, Claire decidiu interpelar Aninha. Perguntou se ela preferia o balé ou o futebol. A menina mostrou-se confusa, parecendo não estar preparada a escolher a segunda opção e magoar a mãe. Claire, por sua vez, captou a dúvida da filha. Amou sua sensibilidade e a pôs na cama encerrando o assunto por enquanto.

Foi para a sala assistir TV em busca de sono, hábito contraído da mãe, e se pegou assistindo filmes que já havia visto milhares de vezes, hábito contraído do pai. Zapiando os canais, contudo, acabou caindo em um cujo filme se chamava 'Te amarei para sempre'. Sorriu. 

Segundo contas pré oficiais, aquela deveria ser a 628ª vez que assistia ao filme que deu origem a seu nome: Claire Abshere Góes-Bahiense (hífen, um estilo obtido à fórceps pelo pai).

Correu até a estante. Pegou o livro 'A mulher do viajante no tempo' devidamente autografado pelo pai como se Audrey Niefegger (a autora do livro) fosse, e releu a dedicatória com palavras doces e encorajadoras escritas por seu velho.

O pai previu inteligência, clamou por determinação e desejou muita paz e amor. Claire chorou ao perceber que as determinações do pai, mesmo aos atropelos, haviam se confirmado. Bateu saudade dele e da mãe, mesmo os tendo visto há dois dias. Ligou. Não foi o pai que atendeu e sim a mãe.

Conversaram amenidades, comentaram as travessuras de Ana, reclamaram de ainda não terem comprado o presente do chá de bebê do terceiro filho de Caio... Falaram sobre política, e de quanto o presidente Neymar da Silva ajudara o país, mesmo tendo sido eleito sob desconfiança. E riram quando lembraram que Sandro sempre dizia que o que o fez eleito "foi aquela passagem decisiva pelo Flu em 2026". Claire ouviu pela nonagésima vez alguma piada de sua mãe sobre o nome da moeda ter sido trocada de Real para Lula por decisão do polêmico político de mesmo nome em seu terceiro mandato de presidente em 2018. Até que a conversa chegou - e sempre chegava - em seu ponto mais peculiar quando mãe e filha conversavam: A dança, mais especificamente o balé.

Claire mostrou-se uma aficcionada pela arte desde sempre. Entrou na escolinha com precoces três anos. Aos doze era considerada prodígio. Entrou sozinha para a religião. Dançava na igreja e virou líder do grupo de coreografias mesmo sendo menor de idade. Passou quatro anos estudando na Fafi... Claire não se lembrava muito bem aonde toda aquela paixão tinha se perdido. Onde toda a certeza se dissipou. Onde as coisas mudaram. Viu na gravidez de Ana a certeza de que penduraria as sapatilhas, mas esqueceu de avisar à sua cabeça e ao seu coração. Ao tocar no nome da filha, Claire disse a mãe que pensava em tirar a filha do balé. A mãe disse para esperar e que seria sensato tentar conciliar as paixões da pequena. Claire assentiu. Perguntou pelo pai. Roncando. Muito. Respondeu a mãe resignada. Mandou beijos para ele e para Bento. Desligou.

Dez anos depois Ana mudou-se para São Petersburgo, Rússia, sede do Ballet Bolshoi.

Claire casou-se de novo, teve um novo filho (chamado convenientemente de Henry) e decidiu, incentivada pela filha, montar uma escola de balé. Sua mãe mudou-se para sua casa há dois anos.

Seu pai vibrava, intensamente, do céu. Sua filha realmente havia conquistado tudo o que ele desejara naquela dedicatória.