sábado, 1 de agosto de 2015

AS VÁRIAS PERSONAS QUE A MINHA FILHA PODE SER - EPISÓDIO 3 "ANA LAURA"

Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. Terceiro episódio: "Ana Laura".

"Ana e Laura não se fundem, é como se fossem duas pessoas em uma. Que legal!"


Porta-retrato

Praticidade, esse era o mantra de Ana Laura. Fazia questão de dizê-lo sempre que necessário. Durante toda a vida a jovem de 17 anos sempre buscou o lado mais prático da coisa. Seus cabelos, cheios e belamente cacheados, tinham um corte que privilegiava a velocidade. Algo como "acorda, molha e vai". A pele morena não pedia a maquiagem que ela raramente usava, mesmo que algumas irritantes espinhas a incomodassem. As roupas eram largas e confortáveis. Os óculos de grau mais pareciam uma composição de um figurino do que propriamente uma necessidade.

Seu estilo despojado lhe dava um charme único. Sua fluidez na conversa ajudava muito e sua inquestionável beleza era fator decisivo. Seu pai dizia que ela era a cara da mãe e ela, só para irritar os velhos e a prima Anna, por galhofa, se dizia mais parecida com a outra prima, Isabella, "a mais bonita da família" completando com uma exagerada ênfase a sua fala.

Seu território vivia ocupado pelos mais variados pretendentes, mas Laura, contudo, só dava espaço aos relacionamentos curtos, de um dia apenas, às vezes. Namoros a tirariam de seu foco que, a bem da verdade, ninguém (e nem ela mesma), sabiam muito qual era.

O fato de seu pai e do tio Luiz Henrique terem aberto uma escola particular de ensino médio em 2024 e de que em tão pouco tempo conseguirem bons resultados, ajudou Ana Laura nos estudos. A menina era considerada a primeira da classe, fera na Geografia e na História e um gênio no Português.

À boca miúda, estipulava-se que a garota estava pronta para passar em qualquer curso no vestibular e a pressão, mesmo velada, pendia para Direito ou, claro, Letras. 

Pela praticidade de Ana Laura sugeriria-se que a garota escolheria algum desses cursos, ou outro em que a segurança do exercício da profissão no futuro a amparasse.

Daí toda a surpresa quando ela disse na manhã posterior às datas de inscrições on line para o vestibular que a sua opção havia sido o curso de Fotografia (entraria para a grade de opções da UFES em 2030).  

Seu pai, fã confesso da maturidade da filha, quase infartou. A mãe preparou o mais pesado sermão e a família já confabulava os conselhos.

Ana Laura sabia o que a esperava. Chamou o pai primeiro, para uma conversa a sós. Aquela seria, simbolicamente, uma conversa com toda a família.

_ Pai você sempre brincou que eu sou duas em uma.
_ Hã... Sim... Sei... Disse Sandro, monossilábico quando irritado.
_ Decidi dar espaço a minha "segunda parte". Sempre fui prudente. Prática. Talvez esteja na hora de arriscar um pouco.
_ Agora? Mas agora? Nas bocas do vestibular? - Mais lamentava do que perguntava seu pai, pressentindo o pior.
_ Sei que quer o melhor pra mim pai. E o melhor pra mim neste momento é a fotografia. O melhor pra mim neste momento é buscar a felicidade. Gosto de casamentos, festas, pessoas... Gosto de registrá-las. De saber que estarei guardando parte delas para a posteridade.
_ Ok (Sandro monossilábico-irritado), mas que isso seja um hobby, um plano B, sei lá. Você vai ganhar a vida com isso?
_ Tentarei.

Conhecendo a filha como só, Sandro, muito decepcionado, deixou-a seguir com suas ideias. O pai acabou por convencer a família a apoiá-la. Ana Laura batalhou como nunca. Passou em primeiro no curso de fotografia. Retirou parte do dinheiro investido para a sua faculdade. Montou um estúdio, comprou equipamentos...

O começo foi relativamente difícil, mas em alguns anos o estúdio de Ana Laura rendia consideravelmente. Ela estava feliz. Planejava mais. Foi convidada a tirar as fotos da festa de formandos da escola do pai.

_ Festão hein pai. Esse negócio de escola deu certo mesmo!?!
_ Negócio? É assim que você chama a instituição que em três anos te transformou na aluna número um do vestibular de 2033?
_ Tá bom, tá bom, Instituto de Ensino Góes-Bahiense. Mas precisava ter como as cores da escola esse vermelho e verde? Coisa cafona.
_ O que? Um negócio elaborado por dois tricolores não poderia ter outras cores, não é?
_ Opa. Opa. Olha quem disse negócio agora?!?

Os dois riram.

_ Pai, tô pensando em chamar a Laís (Laís era a filha mais velha de Carol e Rair) pra estagiar comigo.
_ Chama. Pelo menos Rair vai sofrer um pouco do que eu sofri com você.
_ Olha...

Ana Laura é chamada para tirar uma última foto. Elaine se aproxima de Sandro. Pergunta o teor da conversa. Sandro tira por menos, dizendo ser amenidades. Os dois a vêem de longe, feliz, sorridente, realizada.

_ Deu certo né amor? - Pergunta Elaine, chorosa.
_ Não. Ela deu mais do que certo. - Responde igualmente choroso Sandro.

Ana Laura os vê. Ri do choro dos pais e tira uma foto de surpresa.

_ Essa vai para o meu porta retrato de cabeceira. Para ver como meus pais são babões e chorões - brinca a garota.

E toda a noite antes de dormir Ana Laura pega um copo de leite, liga a TV, assiste um antigo seriado chamado Dr. House, reza, vê a foto dos pais e vai dormir.

_ Amanhã é outro dia...

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