Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. Último episódio: "Helena".
"Sempre vi as Helenas como mulheres fortes, marcantes, especiais, singulares..."
Uma odisseia Helênica
Andava de um lado para o outro. A meia calça incomodava e, parecia, lhe dava uma alergia danada. Começou a coçar as pernas e logo foi repreendida pela mãe que, por sua vez, desconjurava Sandro por ter lhe passado "essas alergias a tudo".
É claro que o nervosismo também colaborava. Era a primeira vez que seria dama de honra. Além da pompa da cerimônia, era do casamento da prima querida a qual estava participando tão decisivamente. Não podia estragar o casamento da Isa, pensava Helena, exagerada e megalomaníaca que só.
O vestido, cor de pérola, fora feito sob medida e, por capricho do pai, fora comprado para ficar eternamente como lembrança. Em seu detalhe, pedras brilhosas que se espalhavam do pescoço até a borda. Listras em semi tom dividiam a parte da frente. Atrás, um conjunto de doze botões e um singelo laço cor de rosa faziam o modelo.
Toda vestimenta casava belamente com sua modelo. Helena era morena, quase mulata. Corpo esguio que sempre salientava a cabeça em pé. Rosto redondo, olhos grandes, negros. Boca carnuda que se abria toda quando sorria. Uma pequena falha nos dentes inferiores da frente, mas que, diziam, lhe dava um charme. Personalidade dócil, obediente e tranquila. Tinha facilidade ímpar em fazer amigos. Amava e era amada intensamente e, naquele verão de 2022, teria seu evento social mais importante: O casamento da prima Isabella.
Ela não compreendia a desigualdade de temperamentos. Enquanto ela estava quase paralisada, pelo nervoso e para não suar, seu partner, César, corria de um lado para o outro, dando verdadeira canseira na mamãe Roberta.
A rigor, ela estava era com uma pequena inveja. Enquanto César estava à vontade, ela era cutucada a cada 5 minutos. Primeiro vó Nena veio e ajeitou seu cabelo. Depois vó Inácia veio e ajeitou seu vestido. Tia Tânia veio e ajeitou cabelo e vestido de uma vez. Carol, prima que ela insistia em chamar de tia, veio e tirou quinhentas fotos. Depois veio a mamãe e a ajeitou por completo. O papai... Bem o papai só olhava, de longe, com uma cara de bobo choroso.
Quando a música da cerimônia tocou seu coração acelerou. Vendo seu nervoso a amiga Natália a amparou e sussurrou em seu ouvido que daria tudo certo, pois ela, Nat, já havia feito aquilo "um milhão de vezes e sempre dava certo".
Natália estava correta. Tudo deu certo mesmo.
Em outra ocasião, todos se espantaram quando ela foi a primeira a saber que Tia Tânia se casaria. Isso se deu, pois a tia afirmava ter uma ligação que "só as duas podiam explicar" e, por isso, nada mais justo do que a pequena fosse a primeira a receber as boas notícias.
Isso se dava porque, desde sempre, Helena se apaixonou pela tia e vice versa. Fosse pela vontade da pequena, elas se veriam todos os dias e, quando aprendeu a andar, o caminho até a janela da tia era obrigatório. Não por coincidência a primeira palavra da menina foi "ãtã", abreviação mais que óbvia de Tia Tânia. Desde então as duas faziam tudo juntas. Iam ao parque, praia, shopping... A tia fazia maquiagem escondida nela e as duas brincavam de desfile de moda na sala para alegria da vovó.
Após a notícia, a preocupação de Helena era de ter de passar por todo o processo de dama de honra de novo. A tia a acalmou. As festanças seriam menos elaboradas.
Quando descobriu que a primeira filha de Caio seria menina, Helena fez uma grande festa, afinal tinha dois irmãos e não podia passar seus "conhecimentos de menina" para ninguém. Helena ficou dividida, pois no dia da festa de casamento da tia, a esposa de Caio entrou em trabalho de parto. Sabia que a maternidade não era "lugar para criança" então teve de se conformar em ficar em casa. Dias depois, mesmo sob grandes protestos da Vó Inácia, ultra zelosa, segurou a pequena Amandinha no colo, prometendo, baixinho, lhe dar todas as dicas para ser a nova queridinha da família Góes.
Dois anos depois preocupou-se com a notícia de que a prima Anna também iria se casar. Anna e Helena eram mais que primas, eram irmãs. Desde pequena a prima a acompanhava, ajudando sua mãe em sua criação. Anna levava Helena para passear, lhe ensinava a ler, a desenhar e a jogar futebol. A prima foi presença vip imposta por ela em seu primeiro dia no ballet. Contudo agora, tempos depois, Helena estava com 11 anos. Velha demais para ser dama de honra, mas nova demais para ser madrinha.
Trancou-se no quarto e chorou por horas. Não abriu a porta nem para a mãe, nem para o pai. A exceção foi dada à Maggie, sua companhia de longa data. Maggie mordia de leve seus dedinhos, único jeito carinhoso que conhecia para acalentar seus donos.
A solução foi dada dias depois. Helena entregaria as alianças, dançando. Pedido da prima, logo ela não podia negar. Todos ficaram em polvorosa na casa dos Góes Bahiense. Mamãe Elaine teve a ideia. A amiga Amanda daria aulas particulares para a pequena. Nos dias dos ensaios era uma festa só. Não só Amanda vinha, mas Roberta (e os filhotes), Meiri (e os filhotes), Cintia e Marcela vinham.
Era um fuzuê. César, Benício, Júnior, João (filhos da Meiri) e Bento corriam pra lá e pra cá, aos gritos, com Maggie. O pequeno Artur, por sua vez, chorava por não poder participar da farra e Sandro, que ficava a cabo de controlar a molecada, mais participava das brincadeiras do que impunha limites. Mesmo nesse cenário maluco a pré adolescente Helena se mostrava pronta para o grande dia. Seus pais se emocionaram ao vê-la dançando ao lembrarem de Isabella fazendo o mesmo em seu casamento. A menina, por sua vez, satisfez-se com seu desempenho.
Aquele foi start para Helena decidir ingressar na igreja da avó. Começou a dançar no grupo coreógrafo e convertera-se evangélica em 2031 sendo a última batiza pelo Pastor Renato. Na igreja estreitou a amizade com César e Heitor. César era tranquilão, desencanado e muito engraçado. Heitor, por sua vez, era sério, disciplinado e seguro. Suas personalidade se contrastavam e, ao mesmo tempo, se completavam. Laís, filha mais velha de Rair e Carolinne, e dois anos mais nova que Helena, completava o quarteto inseparável.
Num aniversário de Vó Inácia, Tia Vivi decide fazer uma grande comemoração, com direito a alugar um cerimonial e tudo. Toda família e amigos são chamados. César e Heitor, claro, estarão presentes. Benício também vem. Com jeito falante e extrovertido ele logo compensa os anos de separação achegando-se aos outros. Cria-se um clima de paquera no ar. Laís provoca Helena, agora uma bela adolescente, dizendo que a prima é o centro das atenções. A menina a retruca sem muita convicção.
O primo Estevão é o DJ da festa e surpreende ao colocar a música 'Pétala' de Djavan, favorita de Helena, para tocar, dizendo que havia sido dedicada por um admirador secreto. Mesmo envergonhada ela gosta da surpresa. Depois foge do pai, imaginando o esporro que o velho lhe daria.
O pai a encontra, mas ela é salva pelo gongo, pois era a hora da cerimônia da família Góes.
Todos entram no salão:
Primeiro entra Vó Inácia
Depois Luiz Henrique, Suzelma, Carol, Rair, e seus filhos, Laís, Júnior e Luiz Henrique Neto.
Depois entra Tico, Janete, Vinícius, Alexandra e seus filhos, Estevão, Eduardo, Enrico e Emilly.
Depois entra Tânia, João Paulo e a filha de João Paulo, Camilla.
Depois entra Vivi, Júnior, Nathan e a namorada de Nathan, Elisa.
Depois entra Émerson, Laudi, Caio, sua esposa, e seus três filhos, Amanda, André e Josué. Depois Isabella (grávida na ocasião) e seu marido. Depois Anna e seu marido.
E por último Elaine, Sandro, e seus filhos, Helena, Bento e Artur.
Todos ficam ao redor da matriarca da família numa cena linda, guardada pra sempre na memória de Helena.
Ao término da cerimônia começou a festa. Laís traz consigo um bilhete do tal admirador secreto para Helena. Ela o abre. Lá está escrito que o admirador a esperará atrás do bebedouro do cerimonial em cinco minutos. Ela passa o olho nos possíveis suspeitos. Nem César, nem Heitor e nem Benício parecem levantar suspeitas. Os cinco minutos se vão. Depois mais cinco. E depois mais cinco. Helena, covarde, não vai.
Anos se passam. Outros chegam. Alguns se vão. Helena se forma na universidade. Dá aulas de Filosofia em escolas públicas. Se casa. Tem filhos...
Num dia arrumando a bagunça vê os álbuns de foto. Lá estão grandes partes de suas lembranças: Os pais jovens se beijando na escadaria do shopping. Ela saindo da maternidade. Tia Tânia antes e depois da bariátrica. O Nathan, pequeno, ao lado da Frida. Vó Nena com a bisa. Vó Inácia com o buá dos desfiles de moda com Tia Tânia. Bento. Depois Artur. Maggie puxando a fralda do Bento e depois puxando a fralda do Artur. Seu primeiro dia no ballet. O casamento da Isa. O casamento da Ana. A primeira prima. O dia do título no time de futsal. A viagem ao Maracanã com o pai. O encontro da igreja com César, Heitor e Laís. O primeiro beijo em seu então namorado. Seu casamento. Seus filhos...
Quanta coisa, ela pensou. E imaginar que até então eu era só um desejo, bem pequeninho, no coração dos meus pais.
Agora eu estou aqui. Até onde eu vou?