“CREPUSCO”
Já ia dar meio-dia naquele dia
de sol escaldante do interior nordestino. Josefa, cujo apelido não se sabe
porque era Billa, vinha carregando em sua cabeça um balde d´água junto a seus
quatorze irmãos no caminho de volta à sua casa.
Zefa, ou melhor, Billa, não era
a mais bonita, nem a mais inteligente, e não era a mais popular na sua escola.
Seus outros quatorze irmãos faziam mais sucesso na escolhinha de mainha
Severina que ficava no quintal atrás da casa dos irmãos.
Tudo transcorria como
habitualmente na vida de Billa até que ela teve a visão: Era ele! O calango
mais bonito, charmoso e branco luminoso como água com barro daquela região. Ela o viu, de longe, montado em
seu jegue. Apesar da distância, podia ver seu cabelo mais encrespado que a mata
mais densa, os olhos mais amarelos que o milho e os dentes mais inexistentes do
que a comida na dispensa de sua casa. Era ele!
Ele também a viu. Os olhos
entreolharam-se por segundos, tempo suficiente para gerar o amor mais infinito
que o sertão podia sentir. O rapaz mudou sua direção. Guiou o jegue para
próximo de Billa que tremeu por dentro de emoção. Depois percebeu que era fome.
Mordiscou um cacto e continuou a espreitá-lo.
Estranhando a demora, os outros
quinze irmãos, neste ínterim a mãe teve mais um, saíram a sua procura. Todos
viram o rapaz. Criou-se um afã. As seis meninas e Juarí, que diziam ser meio
afeminado o danado, ficaram alvoroçados.
Percebendo ter a concorrência
das irmãs, Billa tratou de desanimar, afinal era a mais desinteressante e
despopular da escola. Ainda assim ele
continuou olhando-a, sem piscar. Eis que aconteceu um grave
problema, o jegue da família de Billa, que estava no cio, assanhou-se com a
presença de outro e, desgovernado, partiu pra cima da moça. O rapaz, num átimo
de segundo, saltou de seu jegue e jogou-se na frente da menina, colocando seu
braço à frente do animal, protegendo-a.
Todos ficaram surpresos com
aquilo. Afinal as pessoas sequer tinham forças para sair do jegue quanto mais
para segurar um. Billa e o rapaz se entreolharam mais uma vez. Na mesma
velocidade em que a salvou, o rapaz, preocupado com a atenção que chamou, foi
embora.
A moça passou dias pensando no
bravo rapaz até que um dia na escola teve a surpresa. Era ele! O pai do jovem
disse que tinha se mudado ali pra perto, coisa de 2 ou 3 horas de jegue, e que
queria matricular seu filho na escola mainha Severina. Billa ficou atônita! Era
a chance de contar de todo amor. De toda a paixão que ardia em sua entranha...
Depois ela descobriu que o ardor também era de fome e comeu um pedaço de barro
cozido.
O rapaz, tímido e arredio, se
apresentou. Ninguém conseguiu compreender o nome dele. Então teve que soletrar
E-D-D-W-A-H-R-D-I-R-S-O-N. “Painho era muito do criativo” disse ela com sua voz
tímida que fazia Billa tremer. “Podem me chamar de Ed, é mais fácir” disse ele
com seu sotaque estranho que parecia ser lá de Londres – Estado da Bahia.
Billa e Ed começaram a
conversar e ele não deu bola para nenhuma das irmãs dela, admitamos que teve um
pequeno affair com Juarí, mas foi coisa passageira. Logo Billa e Ed perceberam
ter várias coisas em comum: Ambos confundiam tremor de fome e com emoção, ambos
tinham vinte e oito perebas na perna e ambos adoravam calango frito com pequi.
Eram muitas as coincidências...
Dia após dia a amizade crescia
até que Billa decidiu abrir seu coração “estou enrabichada por você Ed”, “Oxe,
e eu também por você Billa, mas nosso amor é impossível”, completou ele. Ed sumiu da escola nos dias
seguintes, até que Billa decidiu ir atrás dele. Chegando até sua sombria casa
de pau a pique ela se assustou com a cor negra da parede. Depois percebeu que
não era tinta. Eram morcegos. Muitos. Milhares. Estranhou achar um morcego
realmente parecido com Ed.
Venceu o medo e decidiu
chamá-lo. Após um tempo Ed apareceu. Ele a pegou nos braços e rumou por chapada
à dentro. Sentados numa pedra vendo o luar Ed abriu o jogo “Billa eu sou um
vampiro”. “Oxe eu também não tomei vacina quando era criança Ed, também devo
estar cheia de doenças...” disse ela esperançosa em que a “doença” de Ed não
impedisse infinito amor.
“Não, não, você não entendeu.
Vampiro é um ser que foi mordido por um homem morcego e ganha a vida eterna”,
“ahhh, esse eu sei. É o Batman né? Eu vi numa revista” disse a ingênua garota.
Não tendo mais jeito Ed se revela. Ele mostra os dois dentes de vampiro e o
olhar laranja (vermelho + amarelo) para ela.
A moça se assusta e dá um
grito. Por instinto ela foge dele, que a persegue querendo explicar do porque
daquilo tudo. Ela para. Ele a olha. Marca-se um silêncio que parece a
eternidade. A moça se acalma. Eles voltam a se sentar e ela começa um chato
interrogatório.
Como você virou vampiro?
Um morcego mordeu uma vaca que
me mordeu.
E quanto tempo faz isso?
Quantos anos você tem?
Se eu soubesse matemática te
diria.
E porque você veio parar aqui?
É porque aqui a água barrenta e
menos barrenta do que as de lá do Arraial.
Mas... Se você é muito, muito
velho, porque não está viajando lá para fora do país, tipo, Minas Gerais?
Porque você não está estudando cartilhas?
Oxe. Você já viu que difícil
que é aprender o abc?
Mas... Não é ruim ser vampiro?
Oxe. Né nada. Agora tenho dois
dentes para comer rapadura!
E porque você se apaixonou por
mim, a menina mais feia e mais sem graça da escola?
Oxe essa é fácil! É porque
temos de criar uma estória em que todas as mulheres, bonitas ou feias, se
sintam inseridas. As feias acreditam que podem conquistar o príncipe encantado,
ou melhor, o vampiro encantado, e as bonitas acham que os bons homens, ou os
bons vampiros, valorizam o que a mulher é por dentro e não se ela tem uma bela
bunda, por exemplo. Simples né?
Hum...
Mais tranquilo após ter seu
segredo revelado Ed e Billa começaram a viver um lindo amor, viajando por todo
o sertão, conhecendo todos os rios secos, os meninos com pé inchado e todos os
casos de desnutrição infantil existentes. Tudo era muito romântico.
O problema era que Ed não podia
sucumbir à tentação de morder o magro pescoço de Billa. Toda vez que olhava
para aquele pescoço lembrava-se de pernas de galinha que tanta amava comer e
que a muito não fazia, e isso o atormentava.
Não aguentando mais Ed, para
evitar morder Billa, preferiu separar-se dela. A moça, desesperada, por várias
vezes pedia, quase implorava, para que ele a mordesse, mas ele resistia. “Já
que não quer me morder, pelo menos faça sexo comigo” suplicava ela, mas ele se
mantinha fiel a seus princípios. “Só farei sexo com você depois que eu fizer 18
anos e podermos nos casar”. “E quantos anos você tem?”. “Papai disse que tenho
17 a 400 anos”.
Triste e desolada a moça voltou
a sua árdua rotina longe de seu amor e de suas maiores alegrias, até que um dia
viu Jacó. O rapaz era conhecido de longa data de Billa e há algum tempo havia
se mudado. Agora estava de volta. E completamente apaixonado por ela. “Nunca me
esqueci de suas canelas finas, de seu olhar triste e de seu cabelo seco e
queimado pelo sol. Todo o tempo em que passei no Arraial eu só pensava em
você...”, “mas Jacó...”, “não Billa, não me diga nada, eu só quero olhar pra
você logo após essa maldita tempestade de areia parar de jogar terra no meu
olho”...
Billa ficou constrangida em
dizer a Jacó que estava apaixonada por Ed e não era todo dia que recebia tantos
elogios. Decidiu deixar rolar. Jacó havia voltado diferente. Estava mais forte
(aparentava estar pesando uns 30 quilos) e meio esverdeado. Quando perguntado
do porque de tantas mudanças, Jacó sempre desconversava. Mas, após muita
insistência de Billa, decidiu abrir o jogo.
Olha Billa, é o seguinte, eu
sou um calangosomem!
Calango o quê?
Calangosomem. Durante o dia eu
sou homem. À noite me transformo em um calango.
Mas... Meu Deus! Como isso foi
acontecer?
Eu não sei muito bem... Só sei
que eu estava e dormindo e de repente... E cá estou eu agora preso pra sempre
nesta maldição.
Mas como é possível um vampiro
e um calangosomem se apaixonarem logo por mim?
Oxe. Essa é fácil. É porque
toda estória precisa de um antagonista. Fazer um vampiro concorrer com um
humano era injusto, logo criou-se um rival tão sobrenatural quanto. Pouco
importa a imensa improbabilidade de dois seres sobrenaturais distintos estarem
coincidentemente numa cidadezinha do interior do interior e os dois se
apaixonarem por uma menina feia e impopular. Meros detalhes... Entendeu?
Após os esclarecimentos Billa
estava disposta a abrir seu coração para Jacó entrar quando de repente avistou
Ed. “O que você faz aqui?”. “Vi que era inútil lutar contra o nosso amor”. Eis
que o calangosomem o interrompe “Hei, calma lá Batgay, foi embora, perdeu!
Agora ela é a minha calangosinha!”.
Irritada por aquele impasse
Billa saiu em disparada rumo ao sertão do sertão. Jacó e Ed preferiram deixá-la
ir para esfriar a cabeça naquele sol de 40 graus e ficaram numa sombra jogando
a nova versão de Syms e ouvindo Justin Bieber no I-pod de Ed.
Contudo preocupados com a
demora da moça os dois decidiram ir atrás dela, mas já era tarde! A guerra
entre vampiros e calangosomens estava prestes a começar e Billa estava bem no
meio do fogo cruzado. Quando a viram, vampiros e calangosomens decidiram
comê-la viva. Ed e Jacó impediram. Ela pensou “Ed sempre empatando...”.
A sangrenta batalha começou. Ed
e Jacó lutavam não só por seu povo, quer dizer, sua raça, quer dizer, sua...
(como é que se classifica a “classe” de seres sobrenaturais?), mas também pelo
amor de Billa. A moça assistia a tudo atônita. Por fim conseguiu chamar a
atenção dos dois rapazes. Disse que se um dos dois saísse morto (ambos já não
estavam mortos?) daquela luta que ela também se mataria e, por fim, ninguém
ficaria com ela.
Para evitar tal trágico fim, os
dois decidiram fugir para bem longe da disputa (o confronto entre calangosomens
e vampiros terminou empatado e os dois perderam o título para o Barcelona de
Santo Antônio da Purificação), e caberia à moça decidir com quem ficaria.
Uma semana depois Billa, Ed e
Jacó se encontraram no Fica Comigo? da MTV onde, após uma série de perguntas e
gincanas, a moça decidiu ficar com o vampiro. Nem teve tempo para o
calangosomem ficar triste, pois ele logo se apaixonou por uma linda samambaia e
eles forem morar lá na Ucrânia.
Billa e Ed voltaram ao sertão e
casaram com a benção de Conde Drácula. Na lua de mel Ed disse “amor, é o
seguinte... Como sou um vampiro, não tenho sangue correndo nas veias, logo meu,
digamos, instrumento, não fica ereto. Mas eu ando com um vibrador aqui, que eu
juro que nunca usei, que eu posso te emprestar. Eu chamo ele carinhosamente de
Jorjão.”
Ed mordeu Billa que também
virou uma vampira. Ela ficou grávida (como?) e logo eles tiveram uma vampirinha
que, misteriosamente, crescia (como? – parte 2). E viveram felizes para sempre
(até o dia que Juarí foi visitar o cunhado e eles foram flagrados na cama
e...).
Nenhum comentário:
Postar um comentário