quinta-feira, 12 de novembro de 2015

OS MISTÉRIOS DE LAURA

Primeiro ela era um projeto. Depois realidade! Seu nome foi motivo de debate, sugestões e virou combustível para algumas estórias. Laura venceu o "embate". E agora o último estágio antes de seu nascimento: A escolha dos padrinhos. Esse texto os revelará. Afinal, quais são os mistérios de Laura?



Os Mistérios de Laura

E tudo começou por causa de uma bendita sombra de olho...

A frase foi dita por Elaine várias vezes após o ocorrido. Tudo começou no aniversário de 21 anos de Nathan. Toda a família foi até a Serra para a festança. Laura, então com 15 anos, claro, também estava presente. E ansiosa. Pela primeira vez decidiu que ela própria faria sua maquiagem, pois, até então, sua mãe que a fazia. Seu pai, então, distraído, não percebeu a tintura diferente que cobria a pele morena de sua filha e a festa transcorreu sem grandes problemas.

Na volta, contudo, Laura se distraiu e aproximou-se de seu pai para apertar seu nariz, gesto de carinho utilizado pelos dois desde o nascimento da garota. Ao vê-la aproximada, o rígido patriarca da família Góes-Bahiense percebeu a maquiagem, em especial a famigerada sombra de olho.

Sua regra era tão clara quanto desnecessária: Maquiagens discretas e feitas pela mãe! Especialmente nada que circulasse os olhos, pois a garota era alérgica a determinados produtos de beleza. Vendo que a filha havia quebrado tal determinação, Sandro lhe deu uma senhora bronca, de intensidade igual somente ao episódio de quando a garota quebrou a TV nova jogando futebol com Bento na sala.

Achando a bronca desmedida e desnecessária, Laura mostrou-se intensamente magoada, trancando-se em seu quarto aos prantos. 

No outro dia a garota demorou a se levantar. Não causou surpresa a princípio, afinal herdara o gosto por acordar tarde do pai. (A torcida pelo Fluminense, o gosto por filmes de terror e a paixão pela escrita e leitura também. De resto, diziam, era uma cópia da mãe, física e comportamentalmente). 

Contudo as horas se passaram e Elaine decidiu acordá-la. Assustou-se ao ver a cama arrumada. Em cima dela, um bilhete. A mãe o leu. Nele estava escrito um pequeno texto, de dez linhas, onde a menina justificava sua fuga. Laura havia sumido. E tudo por causa de uma bendita sombra de olho!

Ligações foram feitas. Para parentes... Amigas... Nada! 

Sandro vivia a analisar o bilhete. Havia ficado realmente feliz com a escrita da filha. Ao perceber tal sentimento do marido, Elaine tinha sua raiva duplicada. O marido, contudo, a dobrou, após "minuciosa" análise da carta, com uma dedução: Laura estava com algum de seus padrinhos e algum destes mentia, após receber os telefones dos compadres, a fim de protegê-la.

Para resolver a questão Sandro foi, pessoalmente, visitá-los. 

Foi difícil encontrar Ricardo em casa. Depois de ter começado a dar aulas de Literatura na UFES, Salvalaio havia se tornado "parte do prédio do colegiado" como se tivesse sido fundido à localidade. Como não o encontrara, Sandro foi até a universidade. Seu compadre estava em sala de aula. Sandro a adentrou.

Moleque, ficou fazendo gestos e caretas a fim de desconcentrar o amigo. A aula, sobre poesia pós moderna, tinha como personagem principal, Arnaldo Antunes. Sandro, provocativo, comentou que Antunes foi o "terceiro melhor de sua geração", atrás de Renato Russo e Cazuza. Um dos alunos pareceu concordar, deixando Ricardo nervoso. Isso o fez gaguejar. Todos riram. Ao fim da aula o requisitado professor seguia cercado pelos alunos. A demora irritou Sandro. Quando finalmente se desvencilhou dos estudantes, os compadres se puseram a conversar.

Ricardo realmente não sabia de Laura. Contudo confessou que as supostas aulas particulares  de inglês que ele estava dando para a menina eram só um pretexto. Na verdade ela aproveitava este tempo para nutrir um flerte com Rafael, um menino skatista que fazia poesias e compunha músicas em seu violão. Salvalaio justificou participar de tal ação por realmente acreditar que Rafael se tornaria um artista famoso e que Laura era "sua musa". Cinco anos depois a banda de Rafael chegou ao primeiro lugar na Parada Lunar com a música... Laura!

P da vida após a revelação de Ricardo e a estarrecedora notícia de que sua filha já havia começado sua vida amorosa,  Sandro foi a procura de Wagner, o outro padrinho de sua primogênita. Ele tinha uma piscina na cobertura que morava e Laura era presença certa em sua casa. Vinha dele grande parte do acervo de filmes de terror da garota e o projeto "um livro por mês", iniciado pelo padrinho desde que a menina começara a ler, o que já havia lhe rendido uma estante cheia e uma cachola proporcionalmente também cheia de ideias que iam de romance de vampiros até filosofia e psicologia (os estudos de Vygostky em especial).

Sandro chegou ao local. Suado, dado o calor excessivo, o homem lamentou não ter trago roupas de banho para cair na convidativa piscina. Wagner, por sua vez, tomava um vinho chileno sentado a uma poltrona que, de tão fofa, parecia o absorver. Era uma terça-feira a tarde e Sandro realmente não sabia como o compadre havia conseguido juntar tanto dinheiro a ponto de poder se dar ao luxo de trabalhar tão pouco.

Os dois conversaram, sentados, à beira da piscina, ouvindo musica caribenha, hábito contraído por Wagner após viagem à Cuba Americana, novo país criado após a adoção da antiga Cuba pelos Estados Unidos em 2029. 

Após ser pressionado, o compadre disse não saber nada de Laura naquele momento, contudo teve de admitir que havia, em conluio com a afilhada, escondido algumas coisas dos pais da garota. Laura e Wagner estavam planejando a mudança da jovem para Massachusetts em 2032 para estudar na Harvard University, centro de excelência nos estudos da psicologia no mundo. O padrinho tinha uns "conhecidos" que a ajudariam a conseguir a difícil bolsa. Sabendo da posição de Sandro quanto aos estudos no exterior, tal definição havia ficado em segredo até então.

Irritado e decepcionado, Sandro voltou para casa com mais perguntas do que respostas. Sua filha tinha mais mistérios do que imaginara. Após conversar com Elaine, decidiu-se, por fim, que a mulher era quem iria procurar a filha agora, afinal o papai era péssimo investigador.

Elaine teve de aguardar até o meio dia para poder ir até o apartamento de Mônica. Após finalmente ter saído dos famigerados trabalhos por escala, Mônica se auto instituiu a regra de só acordar bem tarde. 

A madrinha de Laura havia comprado um ap à beira mar e era figurinha carimbada nos melhores quiosques do local. O prato "torresminho à lá Diniz" fora batizado em sua homenagem. A vinda da família Góes-Bahiense à região era costumeira. Quinzenalmente. Contudo tais visitas haviam sido adiadas momentaneamente, pois Mônica tinha ido à França pela terceira vez, trazendo suspeitas de que havia algo mais do que somente a beleza do país europeu a lhe atrair por lá. 

Elaine chegou ao apartamento e as comadres tomaram a conversar. A residência de Mônica era grande, com um varandão extenso. As mulheres se sentaram por lá, tomando drinques refrescantes à base de frutas. Elaine riu dos detalhes do drinque e a comadre a retrucou com palavras não muito doces.

Após os pormenores, Mônica acabou interpelada sobre Laura. Jurou não saber de nada sobre o sumiço repentino. Contudo confessou que estava guardando um segredo junto à afilhada. Por saber da possível viagem de Laura para os Estados Unidos, Mônica decidiu patrocinar a afilhada com generosos depósitos mensais. Ela ainda ajudava a afilhada com logística sobre o local e com as aulas de inglês que o amigo Salvalaio não estava dando para a garota. Confessara que seria a porta voz da afilhada quando esta fosse contar da viagem aos pais. Pedido específico de Laura, afinal a madrinha "era a melhor para desembolar os nossos rolos". 

Elaine e Sandro ficaram irritados ao perceberem que Ricardo, Wagner e Mônica compactuavam com os mistérios de Laura às suas costas. O alívio: A outra madrinha, Sayonara, não estava envolvida em nenhuma daquelas tramoias. Logo, deduziu-se que Laura só poderia estar com ela.

Isso causou grande preocupação em seus pais, afinal Sayo não morava no estado há muito tempo. Apelaram às videos chamadas. Desde a nova tecnologia da abertura imediata de vídeos chamadas, a comadre não tinha mais como não atender o teleportátil.

A mulher estava em local amplo, parecendo ser um grande campo. Desde sua saída de Vitória, Sayo já havia enveredado em várias empreitadas. Dona de pensão na praia, fazendeira, vídeo logger, conselheira espiritual e professora de várias matérias e assuntos. Contudo foi como escritora que se deu muito bem. Seu livro "Ame amar" atingiu marca impressionante: Foi número em vendas por três anos seguidos. Traduzido para várias línguas. Ela ficou rica instantaneamente. Contudo sua essência não mudou. "Ame amar 2", por exemplo, estava há a quatro anos para ser escrito, caso a autora não enrolasse tanto.

O local onde ela estava era o Caribe. "Ame amar" viraria filme com Chloè Moretz e Zack Efron como protagonistas. Sayo afirmou não saber de Laura, contudo prometeu cumprir a promessa a afilhada: Um vídeo de Zack Efron dizendo que a amava.

Sandro, para provocá-la, contou dos outros três padrinhos, de como sabiam dos segredos de Laura e de  como, em conjunto, tramavam o futuro da garota. Sayo ouviu a tudo e riu com ar de superioridade. Isso deixou os pais da garota confusos. Ela explicou:

_ Eu não sei só disso. Eu sei de tudo! Minha maior contribuição para a formação da minha afilhada é ouvi-la. Fui eu a primeira a saber que ela queria abandonar o balé, fui eu a primeira a saber que ela tirou, propositalmente, uma nota ruim no IFES para não mudar de escola, fui eu a primeira a saber que ela roubou um beijo do César com apenas 11 anos, fui eu a primeira a saber que ela queria estudar psicologia, que queria estudar fora, que estava pensado em votar no Neymar para presidente... Fui eu a primeira a saber que ela se apaixonou pelo Rafael, depois pelo professor de Filosofia da escola, depois pelo Zac Efron ... Riu. 

_ E vocês acham que ela é uma boa menina não é? Ajuizada não é? Então. Graças a meus conselhos. Riu de novo com ar ainda maior de superioridade.

Por último deu um conselho:

_ A maior virtude da minha afilhada, além de ser linda como a madrinha, é ouvir a todas as pessoas inteligentes e sensíveis que a cerca. Não foi só aos padrinhos que ela pode ter recorrido. Aposto que vocês só ligaram para os amigos da idade dela...

Elaine e Sandro seguiram o conselho de Sayo. Ampliaram o "grupo de investigação". Logo, pipocaram informações da garota. Primeiro, na mesma noite, ela foi à UVV procurar a Tia Meyri. Meyrieli dava aula de Ciências Sociais naquela faculdade. Após uma "conversa filosófica" decidiu-se que a garota devia voltar. Ela, contudo, não seguiu o conselho  da tia. 

Decidiu procurar a Tia Deliane. Deliane havido construído um grande centro escolar, que logo se espalhou por toda a região metropolitana. Laura era uma de suas alunas. Tia Deliane, contudo, havia largado as salas de aula há tempos, ficando somente com a parte administrativa. Não antes de se gabar: Em 2028 havia batido um recorde nacional. Tinha dado uma aula de Literatura de Pré Enem no Estádio Kléber Andrade para incríveis 623 alunos.

Laura ao visitá-la, porém, mentiu para ela. Disse que somente estava com saudades e decidiu vê-la. Roubou uns volumes de Freud, Bakhtin e Chomsky e partiu rumo a Vitória.

Quando ela soube que o seu professor de Libras (a matéria se tornou obrigatória no currículo escolar em 2027) era o mesmo Leonardo que era amigo de seus pais desde os anos 2000, criou-se, entre ambos, uma grande amizade. Os debates pró e contra Deus mobilizavam a escola. Apesar de jovem, a garota se saia bem em debates e vira e mexe o botava em apuros. Laura decidiu procurá-lo. Lá, passou horas conversando com Miguel. Mig havia voltado da China (nova potência número um do mundo) há poucos, e aproveitara para lhe contar tudo sobre intercâmbios. Os dois riram lembrando-se do presente que Laura havia dado no aniversário de 45 anos do professor-amigo: Um papagaio chamado Jesus. Mais: Laura havia ensinado a ave a dizer "Jesus te ama", só para provocar o rival de debates. Tio Léo chegou e repreendeu Mig e Laura após descobrir que a garota havia fugido. A pôs a ir para casa. 

Antes de ir embora, porém, a garota se lembrou de algo que havia ouvido de Tia Kelly. Foi a amiga da mãe que havia lhe dado o "tutorial" de maquiagem do dia que trouxe tanta confusão. Ao se ver muito maquiada, a garota pensou em desistir de usar tais incrementos. Mas a tia, animada com o resultado, prometeu que seguraria qualquer onda caso ela precisasse.  Assim aconteceu. A garota chegou ao apartamento de Kelly e, após lembrá-la de sua promessa, por lá ficou. 

Era sábado a noite quando a campainha do ap de Kelly tocou. Era Sandro. Chovia e trovejava e Laura tinha muito medo dos barulhos, desde criancinha. Quando viu o pai desejou abraçá-lo forte, mas resistiu. Ele a chamou para conversar. Os dois saíram. A chuva cessou e os dois decidiram ir à praia. Com o passar do tempo e o maior número de compromissos e obrigações de Laura, tal hábito, tão apreciado pelos dois, diminuíra drasticamente. 

Sentaram-se na areia ainda úmida. Riram simultaneamente ao perceber que teriam a roupa molhada. Após esta reação, contudo, silenciaram-se. Minutos se passaram. Laura herdara da mãe a característica de fazer piadas em momentos constrangedores:

_ Tá vendo aquelas estrelas saindo ali? É a Ursa Maior.
_ Ursa Maior? Como você sabe disso?
_ Eu não sei. Só queria dizer isso um dia. Acho o nome Ursa Maior tão engraçado.

Mais silêncio. Sandro o quebra:

_ E aí, como ficamos?
_ Sinto muito pai. Fugir foi coisa de criança. Mamãe deve ter ficado tão preocupada...
_ Ficou. E eu também, claro.
_ Eu sei.
_ Acho que também lhe devo desculpas. Fui exagerado.

Sandro suspira. Parece saudoso. De repente sente os olhos marejarem.

_ Você é tudo para nós, Laura. Você foi o milagre que desacreditávamos. O maior presente do mundo. O presente sem tempo de validade. Me lembro de cada detalhe da sua vida. Seu primeiro banho, dado por mim, e em como eu te segurei pelo bumbum. O primeiro coco que eu tive que limpar... As horas de choro do primeiro dentinho. A palavra palavra. (Maggie né? interrompe Laura). Foi.

_ Os primeiros passinhos e o pânico meu e de sua mãe de você cair ou bater a cabeça na quina do rack. A primeira leitura. A primeira vez que escreveu seu nome. O uniforme do maternal. Do balé. A primeira ida ao Kléber Andrade. Os jogos de bola com a Anna e o Nathan no quintal da vovó. As notas dez. Os elogios dos parentes e conhecidos... Eu te amo, Laura!

Sandro chora. Tenta, em vão, secar as lágrimas na manga da camisa. Desde a chegada de Laura tem se tornado ainda mais emotivo. A filha o abraça forte. O pai se recorda:

_ Temos que ver a questão destes teus mistérios, mocinha!?!
_ Ixi.

Volta a chover. Os dois correm rapidamente para o carro. Chegam em casa. Elaine abraça a filha muito forte. Querendo apenas curtir o momento, a mãe relembra: E tudo por causa de uma sombra de olho... Todos riem. Laura vai dormir. Seus mistérios foram revelados. Mas não todos... 

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