quinta-feira, 11 de maio de 2017

O HOMEM QUE SÓ QUERIA UM AMIGO

O HOMEM QUE SÓ QUERIA UM AMIGO

Desceu para ir à rua. Ao chegar ao calçadão de seu prédio percebeu uma estranha quietude. Ninguém nas ruas... Nenhum carro nas avenidas... Zero de barulho... Não havia nada nem ninguém na rua, só um imenso e gigantesco silêncio.

Meio sonolento, achou estar tendo algum louco sonho ou coisa do tipo. Esfregou os olhos, e sacudiu a cabeça. Mas tudo continuava igual, a mesma falta de algo.

Caminhou rumo a avenida principal de seu bairro, normalmente muito movimentada naquele horário, mas... nada! Parou na banca de jornal, aberta, e pegou o primeiro jornal que viu a sua frente. Leu-o rapidamente a procura de alguma notícia, mas nada falava a respeito de uma estranha evacuação geral ou coisa do tipo.

Foi à padaria próxima à banca. Encostou a mão no pão e sentiu-o quente. Logo deduziu que seja lá o que tivesse acontecido teria acontecido próximo ao seu despertar. Tentando manter a calma, pegou o pão, pôs-lhe mortadela, esquentou um pingado de leite com café e lanchou. Em seu relógio marcava 10h15min da manhã. 

De barriga cheia, voltou a tentar decifrar do por que do sumiço geral. Acreditou em apocalipse ou algo do tipo, mas logo estranhou ter sido o único sobrevivente. Começou a cogitar que tivesse morrido, mas estranhou o céu (ou inferno) ser exatamente igual a seu bairro.

Pôs-se a caminhar, a fim de tentar perceber se tal fenômeno era local ou de maior amplitude. Depois de meia hora de caminhada, com sol a pino, continuou vendo-se sozinho, sem nenhuma alma a qual perceber.

A calma, d’antes tão sólida em si, começou a dissipar-se. Um misto de sensações tomou o seu corpo: Medo, raiva, irritação, ira, novamente medo... Quis chorar, mas as lágrimas não viam. Pensou em clamar a Deus, mas logo desistiu de tal ideia.

Começou a vagar a esmo, apenas... esperando.

Horas e horas se passaram e nada de novo aconteceu. Continuava ele, dono do mundo, senhor de sua rua, mas sem absolutamente ninguém a observá-lo, a questioná-lo, a saber, de sua existência.

Provou de uma grande, pontiaguda, quase irresistível dor. Queria falar, queria questionar, queria alguém, um mísero amigo, unzinho que fosse pra poder falar, pra poder botar pra fora tudo que estava sentindo, mas não havia ninguém, não havia nada...

Foi pra casa, tentou dormir, em vão. Voltou à desértica rua. Caminhou até seus pés fazerem calo. Descalçou o surrado tênis. Continuou de pés no chão, até fazer sangrá-los da viagem. Andou muito, até tentar esquecer.

Mas como esquecer a dor de não ter um amigo? Como esquecer a dor de estar só? Essa dor é crônica, incurável, imbatível... Tentou voltar, mas não tinha mais caminho. Seu caminho era estar pra sempre só, pra sempre só. 

Percebeu que as pessoas sempre estiveram ali. Elas não estavam invisíveis. Quem esteve invisível, o tempo todo, era ele, o homem que só queria um amigo.
  
 

segunda-feira, 1 de maio de 2017

ODE AOS ALIENADOS

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Seis da manhã, o relógio desperta. Sandro Bahiense acorda mal humorado. Desliga o celular. Levanta-se. Faz café. Só café (está de dieta, pois precisa perder peso e manter as taxas inalteradas). Escova os dentes. Banho. Arruma-se e sai de casa. Todas as atividades não passam de vinte minutos. Sandro normalmente pega o carro e sai.

Cinco da manhã, o relógio desperta. Zé da Silva acorda. Desliga o celular. Levanta-se. Toma um banho. Troca de roupa e vai à padaria. Compra pães. Volta. A esposa, já desperta, fez café. Zé o toma. Acompanha a bebida dois pães besuntados na margarina. Zé vai para o ponto de ônibus. O coletivo chega. Zé embarca.

O rádio do carro de Sandro está quebrado. Se estivesse funcionando, contudo, estaria ligado na CBN (Sandro gosta de ouvir as notícias pela manhã). 

Zé tem por companhia o seu indefectível fone. Seu celular tem uma play list a seu gosto. Pagode romântico e sofrência, em especial. Quando enjoa destas músicas liga em alguma rádio popular. As canções o distraem e fazem o percurso parecer menor.

Sandro tem uma profissão de destaque na comunidade. Trabalha bem arrumado. Por meio expediente.

Zé executa trabalhos braçais. Suja-se. Seu emprego é de 8 as 17 horas.

Assim é de segunda a sexta.

Durante a semana Sandro assiste ao Jornal Nacional. Zé também.

O primeiro se alarma com as notícias. Teme pela política internacional. Preocupa-se com a economia mundial e local. Indigna-se com os desmandos de nossos políticos e até ri, ironicamente, com a "notícia bonitinha" a qual o jornal da emissora carioca sempre se encerra.

Zé também se indigna. Tudo de forma geral. Para eles "todos esses políticos são filhos da puta ladrões". Ao contrário de Sandro, contudo, Zé se sente mais animado com a famigerada "notícia bonitinha" na qual o jornal da emissora carioca sempre se encerra.

No fim de semana, porém, as rotinas de Zé e Sandro são distintas.

O segundo escolhe apenas um dia dos quatros fins de semana para reunir os amigos. Opta por um café "americano". Cada amigo traz algo. Um bolo... suco... pão, claro. Tudo bem em conta para todos. Sandro tem economizado. Seus amigos também. A família de Bahiense é pequena: conta com ele, com sua esposa e com Laura, sua filha que foi concebida de forma planejada após mais de cinco anos depois do casamento do casal.

Sandro tem plano de saúde, previdência privada e alguns investimentos para momentos ruins. Sua casa é própria. Em bairro de periferia. A proximidade com o centro, porém, a valoriza. 

Durante o bate-papo com os confrades, o presente e o futuro são alguns dos temas das conversas do homem e seus amigos. Eles falam também sobre economia, política, artes e de como a sociedade brasileira tem se consolidado. O resultado é pessimista.

Zé costuma fazer churrascos em todos os sábados do mês. Compra a carne com seu ticket alimentação. Durante a semana a família se vira nos ovos e linguiça. A casa de Zé é composta por ele, sua esposa, e três filhos, nenhum planejado. Zé tem 26 anos, sua esposa 24. A filha mais velha tem 10. A casa do homem é no subúrbio, em um bairro perigoso. Construída pelo próprio Zé, a moradia está incompleta, só no reboco por dentro e na lajota por fora. A rua ainda é de barro, então quando chove seu tráfego é terrível.

Para o churrasco de Zé a cerveja é fiada. Da Silva chama somente "alguns chegados". A música é popular, pouco reflexiva e alta - muito alta. Os homens conversam animadamente, alterados pelo consumo de álcool. Riem muito. Todo o evento perpassa a tarde, chega à noite e termina apenas na madrugada. Combinam de continuar o rock no domingo durante o jogo do Mengão.

A combinação se confirma. Dessa vez não há carne, mas cinco litrões animam a turma. Durante a partida os amigos conversam. Falam sobre os vizinhos, o time amador de futebol do bairro, de como um dos amigos se comportou mal durante um porre... Tudo é muito leve e descontraído e todos riem muito. O Flamengo vence e os amigos terminam o dia felizes e relaxados.

O domingo termina. Sandro se deita. Não consegue dormir, contudo. O cara pensa na vida. Se lamenta. Imagina que devia ter se dedicado mais. Ter dado condições melhores aos seus pais, já idosos. Lamenta não poder pagar um curso de inglês para a filha e de não ter podido comprar o fogão auto limpante sugerido pela esposa. 

Culpa a si e ao governo. Irrita-se com a dualidade de posições políticas que atravancam os debates sobre o país. Fica com raiva da corrupção e do descaso que acaba, por vezes, influenciando na saúde, segurança e educação dos brasileiros (e dele também, claro). Mesmo deitado, balança a cabeça negativamente, contrariado com o estado que o país está. Por fim fica realmente p da vida quando se dá conta que está se preocupando com coisas demais e que devia mesmo era aprender a relaxar. Dorme pouquíssimo. Só até dar seis da manhã, quando o relógio desperta....

O domingo de Zé termina. Ao perceber que os três filhos pegaram no sono (todos dormem no mesmo quarto), o cara sugere fazer amor com sua esposa. Após o inter curso, Zé vira-se para o lado, dá um leve sorriso e lentamente vai pegando no sono. Não há o que - e nem no que - pensar. Tudo o que ele queria do fim de semana aconteceu. O camarada dorme profundamente, e quando o relógio desperta as cinco da manhã seu primeiro pensamento é em ir comprar pão...

Resumindo...

Sandro queria ser o Zé da Silva.