Minha esposa está grávida. Virá aí uma menininha. Apesar de já estar com 20 semanas, ainda não temos o nome da mais nova gatinha do pedaço em mente. Várias foram as sugestões. Vou aproveitar algumas delas e criar estórias acerca do que penso que serão suas personas conforme o nome escolhido. O primeiro episódio: "Liz".
"Sempre achei Liz um nome singelo, de uma menina educada, e serena..."
Por enquanto
Chovia em Vila Velha. Fazia um relativo frio. Liz estava na sala. Tomava leite com café, e a fumaça da bebida embaçava o vidro da janela impedindo-a de olhar o movimento da rua. Ela amava ver como as gotas de chuva batiam no chão, e ria de como as pessoas corriam tentando fugir da tempestade.
Liz estava com 13 anos. Era morena clara, olhos negros que casavam com o longo e liso cabelo da mesma cor. Irritava-se com a implicância das primas e tias que insistiam em dizer que o cabelo liso, natural, era, na verdade, fruto de chapinha feitas às escondidas. Liz era magra, educada, dócil e tímida.
A temperatura e o clima do qual tanto gostava só a preocupava em relação ao evento que aconteceria a noite. Seu primo Estevão festejaria 16 anos e seus pais preparavam uma festança há tempos. Liz, claro, era presença indispensável.
Ao passar do tempo a chuva cessou e só o frio permaneceu o que a agradou, pois a baixa temperatura a permitiria usar a blusa elegante dada pela Tia Tânia em seu aniversário de 12 anos. A blusa era preta, com detalhes mais claros e combinariam perfeitamente com o jeans branco e o sapato novo comprado especialmente para o evento.
A preparação para o aniversário foi rápida, pois a maquiagem seria leve dessa vez, afinal ela cansara de toda a falação do pai a cada vez que usava um batom mais forte. Apesar da restrição estava realmente bonita.
Chegando na festa Liz se surpreendeu com o número de pessoas. Sabia o quanto Estevão era querido, especialmente por ter seguido a profissão de seu pai. Ambos mexiam com som automotivo e isso os faziam de fato muito conhecidos. Liz perdeu as contas das vezes em que viu Estevão dirigindo, mesmo não tendo idade mínima para isso, e também das vezes em que fingia não ouvir as cantadas dos amigos do primo e para o funk, do qual ela não era muito fã, que sempre tocava no mais alto volume.
Música eletrônica, aliás, era o que dominava o ambiente da festa. Após cumprimentar o aniversariante, os primos e os tios, Liz achegou-se às tias e primas que pareciam estar relembrando alguma passagem da infância de alguma delas. Liz estava distraída. Às vezes pegava-se imaginando coisas, criando estórias, mesmo involuntariamente. Foi interrompida de seu devaneio pela chegada de Nathan, primo a qual tinha grande afeição. Ele apertou o nariz dela, para implicar, como sempre fazia.
Ao lado de Nathan estava um rapaz. Alto, cabelos castanhos, ar despretensioso e jeito de descompromissado. Realmente bonito, pensou a garota. Sempre distraído, Nathan não apresentou o garoto, deixando Liz curiosa a seu respeito. Os dois passaram um tempo junto aos familiares e depois sumiram no meio da multidão de jovens que dançavam efusivamente uma música da moda daquele outono.
Liz sentiu seu coração acelerar quando Nathan e o amigo voltaram, e seu primo pediu para lhe falar longe da família. Percebeu pelo hálito dos dois que tinham bebido cerveja e achou engraçado como o primo foi para longe da família para consumir a bebida como se fosse uma grande contravenção mesmo já tendo 18 anos. Ao omitir o "crime" dos meninos Liz se sentiu meio contraventora também o que a fez rir internamente.
Nathan disse que Felipe (Liz achou que o nome combinou com o rapaz) gostou dela e que queria conversar com ela na garagem vizinha, uma espécie de point da pegação da festa. Liz elaborou as mais variadas respostas em sua mente para recusar o convite, mas de seus lábios saíram só um tímido "tá".
Felipe foi super educado e respeitador. Fez elogios a aparência de Liz, e desferiu galanteios dóceis e de certo modo até bem elaborados. A menina estava envolvida, contudo resoluta a não se relacionar com o garoto. Lembrava-se do seu pai e do mantra do "depois da pós e do mestrado, lá pelos 26 (anos), você pode pensar nisso" e ria da situação.
Lembrou-se da conversa que teve com a mãe quando um menino vizinho, um skatista com cabelo que tapava todo o rosto, a pediu um beijo. Liz tinha 11 anos na ocasião. A mãe a aconselhou dizendo que ainda não era a hora. Por algum motivo Liz, agora com 13, entendia que a hora ainda também não era aquela.
Recusou o beijo de Felipe. Voltou para a festa. Foi para casa.
Na madrugada, em seu quarto, escreveu em seu diário:
"Ainda não era a hora... Ainda não era... Por enquanto...